O DPVAT surgiu em 1988, manobra da Fenaseg, (Federação Nacional das Companhias de Seguro) para controlar o seguro obrigatório que cobre vítimas de acidentes de trânsito. Mas, por ser uma entidade e não uma empresa, constituiu em 2008 um consórcio com suas associadas, chamado de Seguradora Líder, para administrá-lo.
Fraudes gigantescas cometidas pela Líder foram exaustivamente investigadas e apuradas por diversos órgão do governo. Mas ela sempre manipulou e derrubou – com seu poderoso lobby – todas as tentativas de se corrigir esta absurda aberração, monopólio único no mundo e que dá origem a todas essas falcatruas às custas do cidadão brasileiro.
Nem mesmo o presidente Jair Bolsonaro teve êxito ao tentar alterar o sistema do DPVAT: editou em dezembro de 2019 a MP 904 que foi derrubada pelo STF e caducou na comissão mista da Câmara dos Deputados e do Senado.
Agora, o Ministério Público Federal analisou todo o material produzido desde a primeira investigação, a operação “Tempo de Despertar” realizada pelo Ministério Público de MG e Policia Federal de MG em 2015 e também pelo Tribunal de Contas da União, Susep, Ministério da Economia e até uma CPI no Congresso Nacional, também desmantelada pela Lider.
Até hoje, apesar dos evidentes, claros e óbvios desvios de verbas e falcatruas, com a relação completa dos criminosos envolvidos, nomes e endereços, estão todos impunes. Ninguém indiciado, julgado nem preso. Nem um centavo devolvido.
E mais uma inacreditável aberração: O Ministério Público de Minas Gerais condenou a Lider a indenizar o Estado de MG em R$ 400 milhões. Um TAC (termo de ajuste), como compensação pelos crimes financeiros cometidos por seus diretores. Ela não só conseguiu reduzir o valor para R$ 78 milhões, mas sacados do seu caixa e não do bolso dos criminosos.
O que descobriu o MPF
O Ministério Público Federal elaborou um extenso relatório que aponta as principais distorções do DPVAT. Entre diversas outras:
1. Recursos públicos administrados por empresa privada
Embora a arrecadação seja obrigatória, os recursos – comprovadamente públicos – são administrados por uma empresa privada, a Lider;
2. Gastos irregulares e fraudes
O sistema dá margem a gastos irregulares, não só pela diretoria da Lider que estabelece falsos contratos de consultoria com empresas de propriedade de seus parentes e amigos, como também pela indenização de falsos sinistros, valores que excedem os limites e suborno de policiais, médicos, corretores, hospitais, e outros agentes públicos e privados.
3. Lucro ‘fixo’
O sistema de remuneração das seguradoras que fazem parte do consórcio é paradoxal: o lucro é de 2% dos recursos arrecadados pelo DPVAT, índice estabelecido pelo CNSP (Conselho Nacional das Seguradoras Privadas). Ora, é indiferente um valor maior ou menor das despesas da Lider, pois o lucro é fixo, um percentual do faturamento. Uma verdadeira aberração no sistema econômico vigente, só mesmo possível por um monopólio, ou seja, pela falta de concorrência.
4. Quanto mais ineficiente, mais é cobrado do contribuinte
Mais absurdo ainda o que o MPF chamou de “lucro-ineficiência”: quanto maiores as despesas da Lider, mais ela provoca um aumento do prêmio a ser pago pelo dono do carro no ano seguinte. Pois o CNSP estabelece o valor do DPVAT a partir das despesas administrativas da Lider. Então, como o lucro é um percentual fixo (2%) do valor arrecadado, quanto mais a Lider gastar e for ineficiente na gestão financeira, maior será o lucro das seguradoras no ano seguinte!
5. Excedentes
- O MPF detectou inúmeros gastos irregulares da Lider com os Detrans, Sincor (Sindicato dos Corrretores), Funenseg (Escola Nacional do Ensino de Seguros) e outros;
- De 2008 a 2016 (quando a Lider foi mais pressionada a rever sua operação) foram acumulados valores excedentes que chegaram, em 2019, a R$ 8,9 bilhões. Mesmo com a redução gradativa do DPVAT a partir de 2017.
- Estes valores excedentes estão principalmente depositados em bancos que controlam as seguradoras que controlam a Lider.
- Para se ter ideia da sede com que a Lider foi ao pote, a manipulação dos valores do DPVAT foi tão gigantesca que, mesmo com a redução do prêmio pago anualmente pelo dono do veiculo, de R$ 105 em 2016 para apenas R$1,05 em 2019, os excedentes (depósitos em bancos) caíram apenas R$ 168 milhões de reais.
Bloqueio de mais R$ 4 bilhões
O MPF propõe então “a proteção do patrimônio público com a correta destinação das Provisões Técnicas do DPVAT – que pertencem à UNIÃO FEDERAL – mas sob administração da Lider que tem gerido esses recursos públicos federais de forma temerária, danosa e em vilipendio aos princípios constitucionais de economicidade, eficiência e legalidade”, através de uma “Ação Pública com Pedido de Medida Liminar”.
Alega o MPF que se corre o “risco de dilapidação de vultoso patrimônio público” caso não haja um imediato bloqueio nas contas da Seguradora Lider. Dos R$ 8,9 bilhões no caixa, a metade é destinada às Provisões Técnicas: Prêmios não ganhos; Provisão para Sinistros a Liquidar; IBNR (sigla em inglês para Sinistros Ocorridos e Não Reportados); Benefícios a Conceder e Concedidos.
Então, o MPF, através de uma “liminar antecipatória dos efeitos de tutela” solicita o bloqueio da outra metade, ou seja, de R$ 4,445 bilhões de reais. A serem transferidos para a União Federal na conta única do Tesouro Direto ou outro órgão a ser indicado.
E o DPVAT?
Já foram propostos pelo menos seis novos modelos de se operar o seguro obrigatório. A decisão cabe à Susep que deveria ter anunciado como funcionaria (a partir de 2021) até o mês de agosto, mas adiou para o comunicado para o corrente mês de setembro.
A sinalização é de que a Lider e o monopólio serão extintos e o dono do veículo terá – como em qualquer lugar do mundo – a possibilidade de livre escolha entre as seguradoras que o operam no país. E também de que o responsáveis pelo saque bilionário serão brevemente punidos.