A cera do ouvido, que muita gente considera apenas um incômodo do dia a dia, pode se transformar em uma aliada poderosa da medicina. Cientistas da Universidade Federal de Goiás (UFG) desenvolveram um método inovador chamado cerumenograma, capaz de analisar a composição química da cera para detectar alterações que podem indicar risco de câncer.
Além do câncer, os pesquisadores investigam se o mesmo exame pode ser usado para identificar outras doenças, como diabetes, Alzheimer e Parkinson. O que antes parecia apenas um detalhe da higiene pessoal agora pode se tornar um aliado da saúde.
Pesquisadores envolvidos no projeto explicam que a cera concentra substâncias produzidas pelo corpo que revelam muito sobre o estado de saúde da pessoa. Ao estudar esses componentes, conhecidos como metabólitos, eles identificaram diferenças claras entre a cera de indivíduos saudáveis e a de pessoas com câncer.
Além de diagnosticar a doença, o cerumenograma permite distinguir tumores benignos e malignos, detectar fases pré-cancerígenas e acompanhar a resposta ao tratamento.
“Quando conseguimos diagnosticar o câncer no seu primeiro estadiamento, temos 90% a 95% de chances de curar a pessoa. Agora, com a detecção podendo ser feita em duas etapas anteriores ao primeiro estadiamento, as chances de cura são muito maiores”, disse o coordenador do laboratório de Métodos de Extração e Separação (LAMES), Nelson Roberto Antoniosi Filho, em comunicado da UFG.
O grupo trabalha também no uso da técnica para diagnosticar doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, além da diabetes. Os próximos passos incluem a validação junto à Anvisa, ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao Ministério da Saúde para tornar o exame disponível à população.
Segundo Antoniosi Filho, a novidade pode reduzir custos com tratamentos caros e aumentar a longevidade das pessoas, mostrando o impacto social e econômico das pesquisas feitas em universidades públicas.
Os cientistas da UFG conseguiram identificar se 102 indivíduos estavam doentes ou saudáveis apenas com amostras de cerúmen. A pesquisa foi publicada na revista Scientific Reports. Do total, 50 participantes não tinham câncer e 52 apresentavam a doença, em três tipos: carcinoma (tumor maligno), linfoma (sistema linfático) e leucemia (sangue).
De acordo com os resultados, foi possível identificar 158 substâncias na cera de ouvido, das quais 27 funcionam como biomarcadores do câncer.
Segundo o professor, o método apresentou eficácia de 100% até o momento. Ele acrescenta que outras substâncias também podem servir para identificar doenças como diabetes e xeroderma, condição rara que causa sensibilidade à radiação ultravioleta.
O próximo passo da pesquisa é acompanhar pacientes com câncer, usando o exame para observar como a doença progride. A expectativa é que a análise da cera se torne uma ferramenta útil até mesmo no caminho para novas formas de tratamento.
Antes dos testes em humanos, a equipe realizou o mesmo estudo com a cera de ouvido de cães — e obteve resultados igualmente eficazes.
O trabalho contou com parcerias importantes, como o Hospital das Clínicas da UFG, a Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia, o Hospital Amaral Carvalho (Jaú/SP) e o Instituto de Medicina Nuclear de Goiânia.
A principal vantagem do cerumenograma é ser um exame simples, não invasivo e de baixo custo. Basta coletar a cera do ouvido para análise, o que pode abrir caminho para um diagnóstico precoce acessível, capaz de aumentar as chances de tratamento eficaz e salvar vidas.
Para chegar ao público, o método ainda precisa passar por mais estudos e validações. Conversas já estão em andamento com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
O estudo, publicado na revista Scientific Reports, é liderado pelo professor Nelson Roberto Antoniosi Filho, da UFG, com participação dos pesquisadores João Marcos Gonçalves Barbosa, Camilla Gabriela de Oliveira e Anselmo Elcana de Oliveira.