Seguros
Foto: Reprodução | Fonte: Ilan Goldberg e Thiago Junqueira I Conjur
26/12/2022
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Retrospectiva 2022: o Direito dos Seguros em três perspectivas

2022 foi um ano no qual a produção de atos normativos que envolvem o Direito dos Seguros não deixou de ser pujante no país

1. Introdução

Esse artigo está dividida em três cenários — 2.1) normativo; 2.2) jurisprudencial; e 2.3) acadêmico —, que serão seguidos de uma breve conclusão.

2.1. Cenário normativo

Ao contrário do que possa parecer, 2022 foi um ano no qual a produção de atos normativos que envolvem o Direito dos Seguros não deixou de ser pujante no país, tendo sido aprovados, até o momento, 31 circulares por parte da Superintendência de Seguros Privados (Susep) e 21 resoluções pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) [1].

Como destaques, pode-se citar, em ordem cronológica, a regulação dos seguintes temas:

1 – Cobertura provisória em decorrência da recusa do risco pelo segurador (Circular Susep nº 654 de 24/2);
2 – Seguro de garantia estendida (Resolução CNSP nº 436, de 4/4; e Circular Susep nº 659, de 4/4);
3 – Seguro garantia (Circular Susep nº 662, de 11/04);
4 – ESG no setor de seguros (Circular Susep nº 666, de 27/6);
5 – Seguros de pessoas na modalidade de cobertura de riscos (Resolução CNSP nº 439, de 4/7; e Circular Susep nº 667, de 4/7);
6 – Seguro Stop Loss (Circular Susep nº 670, de 1/8);
7 – Oferta, pelas sociedades seguradoras, de serviços de assistência complementares ao seguro (Resolução CNSP nº 443, de 08/08; e Circular Susep nº 672, de 8/8);
8 – Seguro habitacional (Resolução CNSP nº 447, de 10/10);
9 – Seguro do ramo Fiança Locatícia (Circular Susep n.º 671, de 1/8);
10 – Sistema de Seguros Aberto (Open Insurance), conforme Circular Susep nº 661, de 11/04; Circular Susep nº 681, de 18/10; e Resolução CNSP nº 450, de 18/10.
11 – Operações de cessão e aceitação de resseguro e retrocessão e sua intermediação, bem como operações de cosseguro (Resolução CNSP n.º 451, de 19/12).

Um exame do rol acima demonstra que algumas matérias foram simultaneamente reguladas por uma Resolução CNSP e uma Circular Susep. De fato, é comum que isso ocorra, dando o CNSP um tratamento mais genérico (diretrizes gerais aplicáveis a um determinado tema ou modalidade securitária), e a Susep praticando uma abordagem mais pormenorizada da matéria, conforme os artigos 32 e 36 do Decreto-lei n° 73/1966.

Alguns tópicos operacionais das sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar, sociedades de capitalização (e, em alguns casos, resseguradoras) também foram endereçados por atos normativos no presente ano, conforme, ilustrativamente: 1) registro de produtos na Susep (Circular Susep nº 657, de 1/4); 2) medidas prudenciais preventivas destinadas a preservar a estabilidade, a solvência, a liquidez e a solidez do mercado (Resolução CNSP n.º 444, de 8/8); 3) ouvidoria (Resolução CNSP nº 445, de 10/10); e 4) provisões técnicas (Resolução CNSP nº 448, de 10/10).

Em termos legislativos, deve ser recordada a aprovação da Lei n° 14.430, de 3/8/2022, que instituiu o “Marco legal da securitização” e, lateralmente, dispôs sobre a atuação dos corretores de seguros (artigos 36 e 37). Relevantes artigos que haviam sido vetados pelo presidente em exercício foram reintroduzidos na norma em virtude da recente derrubada dos vetos pelo Congresso Nacional, tendo especial relevo o trecho do artigo 36 que alterava o artigo 124 do Decreto-Lei n° 73/66, estabelecendo que “as comissões de corretagem somente podem ser pagas a Corretor de Seguros devidamente habilitado e devem ser informadas aos segurados quando solicitadas” [2]. No último dia 19, a emissão de Letra de Risco de Seguro (LRS) por meio de Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE) foi alvo da Resolução n° 453 do CNSP.

2.2. Cenário jurisprudencial

Os estudiosos do Direito dos Seguros já notaram que questões securitárias estão sendo cada vez mais examinadas pelo Poder Judiciário, notadamente pelo STJ.

Temas como o (não) agravamento do risco em virtude de direção embriagada de veículos nos seguros de vida [3], a taxatividade do rol de procedimentos e eventos da ANS em saúde suplementar [4], a perda de cobertura do segurado em virtude do descumprimento de seu dever pré-contratual de informação [5], a inaplicabilidade do CDC para os seguros de diretores e administradores (seguros D&O) [6], os termos iniciais dos prazos prescricionais do segurado [7] e da seguradora sub-rogada [8], e a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública pleiteando o reconhecimento de abusividade de cláusula de contratos de seguro [9], foram examinados em 2022 pela referida corte.

Embora ainda não tenha tido o seu mérito apreciado pelo STF, recorde-se, por fim, a ADI n° 7.074/DF, ajuizada em fevereiro pelo PT pretendendo que seja declarada a inconstitucionalidade da Resolução CNSP nº 407/2021, que trata dos contratos de seguros de danos para cobertura de grandes riscos [10].

2.3. Cenário acadêmico

Assim como os cenários normativo e jurisprudencial, o cenário acadêmico também foi movimentado em 2022.

Além do lançamento das segundas edições das obras O Contrato de Seguro D&O, de Ilan Goldberg, e Direito dos Seguros, de Maurício Gravina, ao longo deste ano houve ainda a publicação dos livros O Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil, de Marcela de Carvalho, e Direito dos Seguros, de Bruno Miragem e Luiza Petersen.

Entre as obras coletivas, destacam-se: Seguros de Propriedades, organizada por Walter Polido; Direito securitário na aviação, organizada por Alessandro Laender, Paulo Natal e Sérgio Mourão; Resolução de Conflitos em Contratos de Seguros e Resseguros, coordenada por Ronaldo Gallo e Walter Polido; e, no cenário internacional, Seguro de personas e Inteligencia Artificial, coordenada por Abel V. Copo e Miguel Muñoz.

Merece realce, ainda nesse campo, a edição especial da Revista IBERC sobre o tema “Seguros e Responsabilidade Civil”, lançada em junho, bem com as duas edições da Revista Jurídica de Seguros, publicadas pela CNSeg. Diga-se de passagem, essa última revista contou recentemente com uma reformulação do seu conselho editorial e tem cada vez mais assumido um papel de protagonista na divulgação de textos jurídicos de qualidade na área dos (res)seguros.

Nos últimos doze meses, houve também uma série de eventos presenciais relevantes tendo como pano de fundo o setor ora examinado. Sem a pretensão de exaustão, recorde-se o 5° Seminário Jurídico, realizado no STJ, o XIV Congresso Brasileiro de Direito de Seguro e Previdência, da AIDA, o CQCS Insurtech & Innovation e o X Congresso Intercontinental de Direito Civil, ocorrido na Universidade de Coimbra, com um painel dedicado aos seguros. Houve, igualmente, eventos variados da Sou Segura e do Idis Seguros, que abordaram a importante pauta da diversidade nesse setor da economia.

Entre os eventos on-line, rememore-se o webinar de celebração de 1 ano da Coluna Seguros Contemporâneos, o webinar “Diálogos Susep”, e as lives “Advocacia e oportunidades de carreira no Direito dos Seguros” e “Seguros e novas tecnologias”, ambas da Aida.

Navegando em outras águas, convém recordar os inúmeros cursos da ENS e da FGV Conhecimento, o programa de formação no Direito do Seguro, da Comissão especializada da OAB-SP, e a pós-graduação Direito do Seguro e Resseguro, do IBPD.

Os subscritores desta coluna tiveram a honra de coordenar o curso Direito dos Seguros no século XXI, na FGV Direito Rio, bem como de lecionar em conjunto ao longo do primeiro semestre a cadeira Direito dos Seguros na Contemporaneidade, na graduação da mesma instituição.

Tudo isso a demonstrar o elevado quilate da produção intelectual do Direito dos Seguros no Brasil, fortalecida ainda por meio não tradicionais, como os podcasts Risco em Prosa, do IBDS, e Insurcast.

3. Conclusão

Conforme se nota da leitura desta retrospectiva, em 2022 o seguro não morreu de velho. Longe disso. Na verdade, ele está ganhando musculatura, amadurecendo, e, por vezes, se reinventando, em diferentes cenários.

Se no passado o Direito Comercial encontrava-se encubado no Direito Civil para, posteriormente, ganhar espaço próprio; se, também nesse sentido, o Direito Societário declarou a sua “independência” do Direito Comercial, enxergamos espaço e oportunidade para o contínuo desenvolvimento do Direito dos Seguros. E isso é um ótimo motivo para se comemorar!

 


 

[1] Para fins de comparação, veja-se o número de normas emitidas nos últimos cinco anos: 2021 (33 Resoluções CNSP e 31 Circulares Susep); 2020 (23 Resoluções CNSP e 25 Circulares Susep); 2019 (6 Resoluções CNSP e 12 Circulares Susep); 2018 (13 Resoluções CNSP e 17 Circulares Susep); e 2017 (15 Resoluções CNSP e 22 Circulares Susep). Para ter acesso às Instruções Normativas e Portarias, entre outros documentos, consulte-se o sítio eletrônico da Susep: https://www2.susep.gov.br/safe/bnportal/internet/pt-BR/.

[2] Destacou-se. O dispositivo em tela choca-se frontalmente com o art. 4º, § 1º, inc. IV, da Resolução CNSP n° 382/2020, que estabelece a necessidade de o intermediário informar, antes da contratação, “o montante de sua remuneração pela intermediação do contrato, acompanhado dos respectivos valores de prêmio comercial ou contribuição do contrato a ser celebrado”.

[3] Conforme, STJ, REsp 1999624/PR, min. rel. original Luis Felipe Salomão, min. rel. do voto-vencedor Raul Araújo, 2ª Seção, Dje 2/12/2022, confirmando a plena aplicabilidade da Súmula 620/STJ. À luz da nova normativa Susep e de uma plêiade de argumentos, a posição do STJ carece de uma reanálise, conforme GOLDBERG, Ilan, JUNQUEIRA, Thiago. Agravamento do risco no seguro de vida em virtude da direção alcoolizada. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jul-25/seguros-contemporaneos-agravamento-risco-seguro-vida-virtude-direcao-alcoolizada. Nesse particular, registre-se que, dias após a publicação do indigitado julgado, o min. João Otávio Noronha, do STJ, pediu vista em outro processo que envolve a discussão sobre a cobertura securitária de um seguro de vida no qual o segurado dirigia extremamente embriagado e com uma velocidade superior a 200 km/h na área urbana de Porto Alegre, conforme: https://www.migalhas.com.br/quentes/378567/stj-decide-se-embriaguez-de-segurado-exime-pagamento-de-seguro-de-vida.

[4] “4. O Rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, a preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável economicamente da população. Por conseguinte, considerar esse mesmo rol meramente exemplificativo — devendo, ademais, a cobertura mínima, paradoxalmente, não ter limitações definidas — tem o condão de efetivamente padronizar todos os planos e seguros de saúde e restringir a livre concorrência, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito para garantir a saúde ou a vida do segurado, o que representaria, na verdade, suprimir a própria existência do ‘Rol mínimo’ e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais extensa faixa da população. (…) 10. Diante desse cenário e buscando uma posição equilibrada e ponderada, conforme o entendimento atual da Quarta Turma, a cobertura de tratamentos, exames ou procedimentos não previstos no Rol da ANS somente pode ser admitida, de forma pontual, quando demonstrada a efetiva necessidade, por meio de prova técnica produzida nos autos, não bastando apenas a prescrição do médico ou odontólogo que acompanha o paciente, devendo ser observados, prioritariamente, os contidos no Rol de cobertura mínima. Deveras, como assentado pela Corte Especial na esfera de recurso repetitivo, REsp n. 1.124.552/RS, o melhor para a segurança jurídica consiste em não admitir que matérias técnicas sejam tratadas como se fossem exclusivamente de direito, resultando em deliberações arbitrárias ou divorciadas do exame probatório do caso concreto. Ressaltou-se nesse precedente que: a) não é possível a ilegítima invasão do magistrado em seara técnica à qual não é afeito; b) sem dirimir a questão técnica, uma ou outra conclusão dependerá unicamente do ponto de vista do julgador, manifestado quase que de forma ideológica, por vez às cegas e desprendido da prova dos autos; c) nenhuma das partes pode ficar ao alvedrio de valorações superficiais”. STJ, EREsp 1.889.704, min. Rel. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, Dje 3/8/2022. O artigo 1º da Lei n° 14.454/2022 alterou a redação do § 4º e incluiu os §§12 e 13 no artigo 10 da Lei 9.656/1998, tornando o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, como uma referência básica, que poderá ser flexibilizada em algumas hipóteses previstas pela lei. O tema deverá ser reapreciado no futuro pelo STJ e/ou pelo STF.

[5] “O segurado que agir de má-fé ao fazer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta pela seguradora ou na taxa do prêmio está sujeito à perda da garantia securitária, conforme dispõem os arts. 765 e 766 do Código Civil. 3. No caso, as instâncias ordinárias concluíram que a tomadora, na contratação do seguro, omitiu intencionalmente a existência de investigação do Banco Central de irregularidades na administração da sociedade, o que resultou em erro na avaliação do risco segurado, e que o administrador praticou atos de gestão lesivos à companhia e aos investidores em busca de favorecimento pessoal, circunstâncias que dão respaldo à sanção de perda do direito à indenização securitária”. STJ, AgInt no REsp 1.504.344/SP, min. rel. Raul Araújo, 4ª Turma, Dje 23/8/2022.

[6] “(…) no Seguro RC D&O, o objeto é diverso daquele relativo ao seguro patrimonial da pessoa jurídica, pois busca garantir o risco de eventuais prejuízos causados em consequência de atos ilícitos culposos praticados por executivos durante a gestão da sociedade, o que acaba fomentando administrações arrojadas e empreendedoras, as quais poderiam não acontecer caso houvesse a possibilidade de responsabilização pessoal delas decorrente. Assim, a sociedade empresária segurada não atua como destinatária final do seguro, utilizando a proteção securitária como insumo para suas atividades e para alcançar melhores resultados societários.” STJ, REsp 1.926.477/SP, min. rel. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, DJe 27/10/2022.

[7] “(…) o prazo prescricional apenas começa a fluir com a ciência do segurado quanto à negativa da cobertura securitária.” STJ, REsp 1.970.111/MG, min. rel. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 30/3/2022. Se confirmada essa incipiente posição do STJ no sentido de que o termo inicial da contagem do prazo prescricional do segurado se dá com a recusa de cobertura pela seguradora (e não da ciência do sinistro em si, conforme a súmula 229 do STJ), será imperioso um maior rigor por parte do Poder Judiciário a respeito da necessidade de aviso tempestivo do sinistro pelo segurado (art. 771 do CC). O motivo é simples: caso não haja uma aplicação criteriosa da vinculação ao aviso tempestivo do sinistro, tal prazo prescricional, na prática, muitas vezes nunca se iniciará ou se iniciará vários meses ou anos após o sinistro, indo de encontro a toda a lógica inerente à prescrição/decadência no Direito dos Seguros.

[8] “O termo inicial do prazo prescricional do direito de a seguradora pleitear a indenização do dano causado por terceiro ao segurado é a data em que foi efetuado o pagamento da indenização securitária.” STJ, AREsp 2.054.973/SP, min. rel. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 28/9/2022.

[9] STJ, REsp 1836910/DF, min. rel. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 8/11/2022.

[10] Desde setembro, os autos encontram-se conclusos para o relator, o ministro Gilmar Mendes.

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