A pele de tilápia, inovação criada nos laboratórios da Universidade Federal do Ceará – reconhecida internacionalmente por reduzir drasticamente a dor de pacientes queimados –, deu um passo decisivo para chegar aos hospitais do país. A UFC assinou um contrato de licenciamento que permitirá, pela primeira vez, a produção em larga escala do curativo biológico, sem abrir mão da patente, que continua sendo integralmente da universidade e de seus inventores.
A patente que garante a tecnologia de obtenção da pele de tilápia liofilizada permanece sob propriedade da UFC e de seus cotitulares. A instituição reforça, por meio da Secretaria de Comunicação e Marketing, que não vendeu nem cedeu a patente.
O curativo feito de pele de tilápia, que já revoluciona o cuidado com queimados em estudos e projetos-piloto, agora, está mais perto de se tornar uma solução disponível nos hospitais brasileiros, com potencial para mudar a realidade de milhares de pacientes todos os anos.
O que foi firmado é um contrato que concede ao consórcio Biotec’s — formado pelas empresas Biotec Solução Ambiental e Biotec Controle Ambiental — o direito de explorar comercialmente o curativo, mediante o pagamento de um valor inicial e de royalties sobre as vendas.
Assinado em 10 de novembro de 2025, o contrato tem vigência de 14 anos e segue um modelo amplamente utilizado por universidades e centros de pesquisa no Brasil e no exterior.
O licenciamento permite que uma empresa produza, desenvolva e comercialize uma tecnologia sem que a instituição pública perca a titularidade da invenção. A UFC destaca que, em nenhum momento, renunciou aos seus direitos. O acordo apenas abre caminho para que a pesquisa desenvolvida na universidade alcance a sociedade em escala maior.
Para acessar a tecnologia, o consórcio deverá pagar R$ 850 mil como valor inicial. Durante os 14 anos do contrato, será aplicado também um percentual de 3,7% de royalties sobre a receita líquida obtida com a venda do curativo.
A previsão é de que o produto chegue ao mercado em até cinco anos para uso humano e em até três anos para uso veterinário. Com isso, a inovação tende a ultrapassar as fronteiras acadêmicas e beneficiar tanto pacientes quanto o sistema de saúde público e privado.
Segundo reportagem do Focus Poder, a Biotec avalia instalar a fábrica em São Paulo, que reúne vantagens logísticas por concentrar a maior produção de tilápia do país e infraestrutura adequada para processos de esterilização.
O investimento previsto é de R$ 48 milhões. A unidade poderá produzir cerca de 1 milhão de curativos no primeiro ano, com estimativa de atingir 30 milhões em três anos, número que sinaliza um avanço expressivo na capacidade de atendimento à demanda nacional.
Essa demanda é enorme: o Brasil registra cerca de milhares de pacientes queimados por ano. Cada um utiliza em média 22 unidades de pele. Atualmente, o material é usado apenas em projetos pontuais, no Brasil e no exterior, porque não existe produção industrial suficiente para abastecer hospitais.
Os efeitos clínicos já observados ajudam a explicar o interesse crescente. Pacientes queimados costumam precisar de grandes quantidades de morfina e podem desenvolver dependência. Com a pele de tilápia, a dor costuma desaparecer em até 48 horas.
O curativo adere ao corpo e praticamente se integra ao tecido do paciente, adquirindo características da própria pele. A tecnologia pode ser usada em queimaduras profundas de até segundo grau e evita que o paciente precise voltar ao centro cirúrgico várias vezes. Isso gera economia estimada de pelo menos 50% para hospitais — um impacto significativo, sobretudo para o Sistema Único de Saúde (SUS), que deverá ser o maior comprador no país.
A Biotec destaca, em suas redes sociais, que esse é um exemplo de conhecimento aplicado capaz de transformar vidas, gerar empregos e fortalecer a economia. A empresa lembra que a transferência de tecnologia de universidades públicas para o setor privado ainda é rara no Brasil, especialmente no Nordeste, o que torna o avanço ainda mais simbólico.