Um estudo realizado no Brasil mostrou que a inteligência artificial é capaz de encontrar em um exame de sangue (hemograma simples) padrões que podem indicar maior risco de câncer de intestino. Esses sinais não são percebidos de forma direta no tradicional, mas os algoritmos conseguem identificá-los ao analisar milhares de dados ao mesmo tempo.
A descoberta foi publicada na revista International Journal of Colorectal Disease, publicação científica internacional de grande relevância na área da saúde. O trabalho foi desenvolvido pela healthtech brasileira Huna, especializada em inteligência artificial aplicada a dados médicos, em parceria com o Grupo Fleury, informou a assessoria de imprensa do grupo.
O estudo, chamado “AI-driven pre-screening for colorectal cancer using complete blood counts: toward broader population impact”, demonstra que informações que já existem nos sistemas de saúde – como resultados de hemogramas – podem ajudar a apontar quem tem maior chance de desenvolver câncer de intestino. Isso pode ampliar o acesso ao rastreamento da doença, que é uma das mais comuns no mundo e a segunda que mais afeta a população brasileira. Como muitos casos ainda são descobertos tarde, a possibilidade de identificar o risco mais cedo tem potencial para salvar vidas.
“O câncer colorretal é uma doença silenciosa e está entre as mais comuns entre os brasileiros. Apesar das recomendações para rastreamento entre 45 e 75 anos, a adesão ainda é muito baixa e o protocolo não é tão específico quanto em outros tipos de câncer. Trazer o exame de sangue, um teste simples e amplamente disponível, para o centro da análise é pensar em formas inovadoras de enfrentar um problema de grande magnitude, com potencial de impactar diretamente as taxas de sobrevivência e possibilitar tratamentos menos invasivos”, afirma Daniella Castro, PhD em Inteligência Artificial, CTO da Huna e autora do estudo.
O estudo analisou 28.450 exames de todo o Brasil, de homens e mulheres que realizaram colonoscopia nos últimos 20 anos, incluindo cerca de 23 mil casos sem achados relevantes, 3 mil casos de adenomas avançados e 500 casos de câncer. Os resultados mostraram que o modelo da Huna, baseado exclusivamente em dados de hemogramas, apresentou maior especificidade em comparação ao exame de sangue oculto nas fezes (FIT), ou seja, menor número de falsos positivos. Isso representa encaminhamentos mais assertivos para colonoscopia, exame considerado padrão-ouro no rastreamento do câncer colorretal, além de maior eficiência na priorização de quem realmente precisa do procedimento invasivo.
Boa parte dos tumores de cólon e reto se origina a partir de pólipos, pequenas lesões benignas que podem surgir nas paredes internas do intestino grosso. Um adenoma é justamente o tipo de pólipo com potencial de evolução para câncer, caso não seja removido. Por isso, a detecção precoce e a remoção de adenomas são estratégias fundamentais tanto para a prevenção quanto para o diagnóstico precoce do câncer colorretal.
“A colonoscopia é um exame invasivo, com preparo e sedação, e muitas pessoas têm medo ou evitam fazê-lo. Nenhuma tecnologia da Huna pretende substituir protocolos médicos já estabelecidos, mas oferecer alternativas complementares que sejam menos invasivas e que possam contribuir para o aumento do acesso e a efetividade da triagem populacional. Nosso objetivo é ampliar o alcance do rastreamento e tornar o processo mais eficiente”, explica Daniella.
“A combinação entre inteligência artificial e exames de rotina abre caminho para uma medicina mais preventiva, acessível e personalizada. A proposta é, além dos métodos tradicionais, complementar as estratégias de rastreamento com soluções de baixo custo e alto impacto. O uso ético e transparente da inteligência artificial na saúde é fundamental”, comenta o médico Rodrigo Rodrigues, gastroenterologista e chefe de especialidades médicas do Fleury Medicina e Saúde.
Para Daniella Castro, a adoção dessa abordagem pode ampliar o rastreamento populacional, especialmente em contextos em que a adesão ao FIT e à colonoscopia é limitada, permitindo uma estratificação de risco mais precisa e uso racional dos recursos de saúde.
“O principal diferencial desse estudo é a nossa exploração conjunta para novos usos do hemograma, um exame acessível e presente em praticamente toda a população. Estamos mostrando como olhar novamente para esse dado, tanto de forma populacional quanto individual, pode revelar informações valiosas para o setor de saúde”, disse a pesquisadora.
O trabalho foi previamente apresentado como abstract na última edição de uma das maiores conferências internacionais de oncologia, a ASCO (American Society of Clinical Oncology), reforçando a contribuição científica brasileira no campo da oncologia.