O seguro DPVAT (Danos Pessoais por Veículos Automotores Terrestres) foi criado junto com outros seguros obrigatórios, através do Decreto-lei 73/66, também conhecido como a Lei do Seguro. Nasceu com outro nome, Recovat (Responsabilidade Civil Obrigatória de Veículos Automotores Terrestres), mas com a entrada em vigor da Lei 6.194/74, passou a se chamar DPVAT e o conceito de responsabilidade civil, em que a indenização era paga somente quando o veículo era considerado culpado pelo acidente, foi substituído por outro, mais abrangente e mantido até hoje, em que as indenizações poderiam ser pagas, não importando de quem fosse a culpa. Em 1986 nasceu o Convênio DPVAT com a Seguradora Líder, mudança que afetou, principalmente, a forma de se pagar o prêmio e de se pagar a indenização do seguro.
Foi então que começaram os desvios, em oposição ao caráter social deste seguro. O advogado especialista em Direito do Consumidor, Délio Malheiros, conta que “ao longo dos anos o DPVAT foi arrecadando tanto dinheiro que começou a desviar de seu objetivo inicial de socorrer as famílias das vítimas de trânsito, e passou a socorrer políticos, administradores das seguradoras, e o próprio governo, com a máxima de ‘quem parte o bolo fica com a melhor parte’”.
“O governo recebe 45% do DPVAT e outros 5% vão para o Denatran, mas ao longo dos anos políticos de vários partidos foram corrompidos. O valor de indenização do DPVAT para as vítimas de acidentes de trânsito tinha como teto 40 salários mínimos e hoje passou ao máximo de 13 salários mínimos. Comecei a denunciar aos jornais a fraude que era o sistema do DPVAT em 1989, que ao invés de socorrer as vítimas de trânsito, estava socorrendo um bando de oportunistas de seguradoras, do governo e da própria Susep”, relata.
Segundo o advogado, em 2014 o DPVAT gerava uma receita de R$ 9 bilhões e a Seguradora Líder, uma seguradora privada, é que administrava todo esse dinheiro. “Fiz uma denúncia à imprensa no ano de 2012 de que o dinheiro do DPVAT não estava sendo repassado de forma correta para o SUS, e o Denatran que ficava com 5% não aplicava em prevenção de acidentes de trânsito. O dinheiro era desviado, vários deputados arrecadavam dinheiro do DPVAT, ou via escritório de advocacia, ou diretamente da Seguradora Líder, mas nada acontecia que pudesse beneficiar os cidadãos. É uma grande fraude que lesa 80 milhões de brasileiros e beneficia poucos”, aponta.
Ele conta que quando o atual presidente Jair Bolsonaro resolveu extinguir o seguro DPVAT (ou a forma praticada atualmente), muitos questionaram como seria paga a emissão do CRLV (Certificado de registro e licenciamento de veículo), que custa R$ 70 milhões aos cofres públicos, porém em sua visão este valor não é mais justificado, uma vez que em todo o País foi aprovada a emissão eletrônica do documento.
“O DPVAT da forma como vem sendo praticado é uma grande fraude, que lesou até mesmo o poder judiciário. Porque numa certa época inventaram 500 mil ações para justificar que precisava aumentar o valor do DPVAT, mas eram processos e pessoas que não existiam, ou ações de pessoas que estavam reclamando fatos prescritos, para tirar o dinheiro da Seguradora Líder, distribuir por uma grande turma e com isso justificar o aumento. Ao longo da história delegados de Detrans que recebiam dinheiro através da Abdetran (Associação Brasileira de Departamentos de Trânsito) passaram a não receber, e os custeios não ficaram mais explícitos, foram colocados simplesmente como custos de administração do DPVAT”.
Para ele, outra forma imoral de se levantar recursos do DPVAT era o pagamento aos corretores de seguros. “Como que em um seguro que é obrigatório, se cobrava do consumidor 0,50% a título de comissão de corretagem? Em 2013 foram R$ 50 milhões distribuídos para os Sincors [sindicatos de corretores de seguros, que atuavam no atendimento às vítimas]. Fica o questionamento: se o seguro é obrigatório, por que temos que pagar comissão de corretagem?”.
Hoje o cerco contra os fraudadores está sendo fechado, acredita o advogado. “A Seguradora Líder, de 2006 a 2015, recebeu ilicitamente R$ 37,1 bilhões, valor que a Susep, junto com o Ministro da Fazenda, que é o presidente do CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados), autorizou para um aumento que não era necessário. Se agora o seguro custa R$ 5 e está sustentável, por que custava R$ 106 em 2013?”, apontou.
Em 2020, Délio Malheiros completa 30 anos lutando contra esta fraude. Além de inúmeras ações civis públicas que impetrou na Justiça Federal contra os aumentos abusivos do DPVAT, congelamento dos valores das indenizações e até mesmo por sua ilegal existência, o advogado esteve com o Ministro da Fazenda Antonio Palocci, junto com o Ministro dos Transportes, Anderson Adauto, na intenção de acabar com as fraudes. “Dei todos os dados para o Ministro da Fazenda, que agiu ao contrário do esperado. Também fiz uma denúncia no TCU em 2007 que foi julgada procedente em 2014 e culminou com determinação a Susep para fixar valores condizentes com a realidade do mercado, onde reduzia-se a sinistralidade e aumentava-se vertiginosamente a arrecadação”.