Mas entre os setores público e privado há um impasse sobre o que fazer. A área técnica da Superintendência de Seguros Privados (Susep) está decidida a favor da livre concorrência no DPVAT, bilhete pago anualmente por todos os proprietários de veículos brasileiros. Mas, como esperado, o grupo de trabalho (GT) misto criado pela autarquia para discutir saídas para a operação desse seguro obrigatório do trânsito está rachado.
Essa divisão pode ser observada claramente na ata da última reunião da Comissão Especial realizada em março. Os seguradores, representados por suas entidades de classe (CNSeg e Fenseg), se mostram irredutíveis quanto à abertura de mercado, defendem apenas ajustes em um modelo que o governo, ao menos a área técnica, qualifica de exaurido.
Mas os seguradores também estão divididos. O chamado grupo de independentes (GI) – seguradoras de pequeno porte que de fato tocam a operação do DPVAT à frente – tem posição diferente das preconizadas pelas entidades de classes. Membro do GI, Sergio Suslik Wais, presidente da Gente Seguradora, lamenta o fato de o grupo não ter representação no GT misto da Susep.
O executivo sustenta a tese do livre mercado e não confere representatividade à CNSeg e à Fenseg sobre a matéria:
“São entidades que estão ali para defender os interesses dos grandes grupos financeiros, que, na verdade, querem a permanência do status quo, um sistema viciado. A estratégia é manter o oligopólio que esses conglomerados exercem no sistema financeiro nacional, em todas as suas vertentes. CNSeg e Fenseg são organizações que não representam o mercado segurador como um todo. E caminham na contramão da história, blindando um monopólio em seguro como o DPVAT que inexiste exemplo no mundo e, assim, o mantém sob controle ditando as condições.”
CNSeg e Fenseg contra a parede
“O modelo atual está esgotado, sem perspectiva de se manter no médio e longo prazo”, sentencia o analista André Batista, da Coordenação-Geral de Fiscalização Prudencial (Cgfip), ligada à Diretoria de Solvência (Disol) da Susep, na última reunião de março da Comissão Mista. Ele reconhece que houve uma mudança positiva na administração do DPVAT. Mas acrescenta que “historicamente foram detectadas graves infrações na conduta da Seguradora Líder, e que o consumidor não pode pagar pelos seus erros”.
Assim, na linha da solução, o diretor da Disol e coordenador do GT misto, Ícaro Leite, aponta como melhor alternativa a implantação de um seguro obrigatório de livre concorrência combinado com um fundo de natureza pública para cobrir as vítimas de acidentes de trânsito provocados por motoristas de veículos inadimplentes ou não identificados.
Sobre o tema, o analista da Coordenação de Monitoramento de Provisões Técnicas e Ativo (Copra), da Susep, Roberto Seabra, lembra que uma das motivações da criação do Grupo de Trabalho do DPVAT (na verdade uma Comissão Especial) deve-se ao Tribunal de Contas da União (TCU), que vê no atual modelo do DPVAT estímulo à ineficiência. E revela: “Em reunião interna, os representantes da Susep entenderam que o caminho mais adequado é discutir uma proposta de criação de um seguro obrigatório de tarifa livre e concorrência aberta ao mercado”.
De acordo com Roberto Seabra, esse seguro seria combinado com um fundo de natureza pública, custeado por fontes de natureza fiscal, como, por exemplo, o IPVA, e comandado diretamente pelos órgãos de controle do governo federal, seguindo a lógica das operações públicas, considerando que o DPVAT, de cunho social, diverge da lógica dos seguros privados. “Portanto, o custeio e controle dessa parcela devem seguir a lógica dos benefícios sociais”, defende.
O analista da Coordenação de Apoio à Gestão Estratégica (Coget) da Susep, Sérgio Mendes, entende que é difícil visualizar dentro do modelo atual uma forma de oferecer resposta à sociedade sobre os problemas que envolvem o seguro DPVAT. Para ele, se o órgão regulador não assumir toda a responsabilidade sobre os gastos do Consórcio DPVAT não surtirá o efeito necessário, e, se assumir, estará extrapolando as suas competências de supervisão, uma das razões que fortalece a proposta inclinada para assumir a natureza pública da operação. E avisa:
“A proposta do modelo aberto pressupõe, naturalmente, que o mercado [de seguros] tenha interesse, não havendo, fica claro que as razões de eventualmente não haver uma proposta de modelo novo e aberto decorreria do posicionamento do mercado, e não por falta de iniciativa da Susep”.
A Comissão Especial da Susep que debate um novo modelo para o seguro DPVAT reuniu-se mais uma vez dia 12 último, mas as informações continuavam indisponíveis até o fechamento desta edição.