E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
(Carlos Drummond de Andrade)
E agora, José? A verba acabou, O DPVAT apagou, O SPVAT sumiu, o seguro esfriou…
O brasileiro ficou como o José da poesia que nosso imortal Drummond publicou em 1942: abandonado, só e desamparado quando é vítima de um acidente de trânsito.
Até 2023, os acidentados ainda eram – inadequadamente – cobertos pelo seguro obrigatório, o DPVAT. Um sistema perverso, pois o motorista pagava cada vez mais, porém a indenização permanecia imutável durante anos e não cobria suas despesas. E os cofres da seguradora transbordando.
Mas pelo menos recebia uns trocados pelo tratamento hospitalar ou auxilio-funerário. Até que a seguradora (Lider) que o administrava foi afastada, tantas foram suas bilionárias maracutaias. Sem que nenhum de seus diretores fosse para o xilindró.
A Caixa Federal, nova encarregada do DPVAT, assumiu sua administração em janeiro de 2021, mas a fonte secou em novembro de 2023. Tinha-se esgotado a “sobra” de 4,5 bilhões de reais que recebera dos cofres da Lider. E o governo se “esqueceu” de estabelecer até o fim de 2023 um novo plano para a volta do DPVAT a partir de 2024.
Idas e vindas
No início do ano passado, o Legislativo acatou a proposição do Executivo e votou a Lei Complementar 207/24 que previa o retorno do seguro a partir de 2025. Trocou o nome para SPVAT e a verba continuaria a ser administrada pela Caixa. Inconstitucionalmente, diga-se de passagem, pois ela não é uma seguradora, mas um banco.
Mas tanto se criticou a medida que ela foi revogada em dezembro de 2024 pelo próprio Congresso que a tinha aprovado em maio. E veio o tiro de misericórdia do próprio presidente Lula ao sancionar o veto, deixando desamparadas as vítimas de acidentes de trânsito.
Coisas do nosso governo: revoga medidas tomadas por ele mesmo, como foi o vexame do pix poucos dias depois.
O resumo da ópera (ou da “poesia”) é que – seja lá como for – as vítimas de acidentes vinham sendo amparadas há 50 anos pelo seguro obrigatório. Inicialmente pela seguradora contratada livremente pelo dono do carro, como em outros países. Depois, o olho gordo de políticos e banqueiros carreou os bilhões de reais arrecadados anualmente para uma única seguradora, um consórcio de 80 delas, a Lider.
Desmoralizado pelas fraudes, o seguro obrigatório acabou sendo eliminado por um governo tão incompetente, que foi incapaz de estabelecer uma sucessão para a Lider, nem outra qualquer para que o brasileiro (principalmente o mais carente) continuasse assistido se envolvido num acidente de trânsito.
Luz no fim do túnel?
Quem poderá estabelecer um novo seguro para substituir o DPVAT é o CNSP – Conselho Nacional de Seguros Privados – que ainda não se manifestou oficialmente, mas sua tendência é de propor o retorno do seguro ao regime inicial da livre escolha, ou seja, o dono do veículo contrata a seguradora que melhor lhe aprouver.
As corretoras e companhias de seguro homologadas pelo governo para administrar o DPVAT constituiriam um fundo para indenizar as vítimas dos VNI (Veículos Não Identificados) sem necessariamente a prova da culpa. E também a inclusão do seguro obrigatório no processo anual de licenciamento dos veículos, como era o DPVAT.
É importante que parlamentares sejam sensibilizados para se criar um sistema que não considere o DPVAT um imposto, mas um seguro social que protege pedestres, motoristas e passageiros vítimas de um acidente de trânsito.
A gravidade do problema é o desamparo do acidentado, pois, por enquanto, não tem DPVAT, SPVAT, seguro obrigatório, assistência, proteção e nem a quem recorrer. Esta é a situação atual do brasileiro vítima de um acidente de trânsito: totalmente desassistido e ignorado pelo governo. Como, aliás, termina o próprio Drummond:
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?