A adoção da tecnologia de reconhecimento facial pela segurança pública tem gerado um amplo debate social e político. O episódio 1.150 do podcast “O Assunto no G1” trouxe luz ao assunto, refletindo tanto em seus benefícios quanto em seus desafios e riscos. Cidades brasileiras como Recife, Olinda, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Salvador experimentaram o uso dessa tecnologia durante eventos de grande porte, como o Carnaval, visando identificar e capturar foragidos da Justiça. Apesar dos casos de sucesso, o uso dessa tecnologia em 2024 revelou limitações, como baixo índice de capturas e erros que resultaram na prisão de inocentes, além de levantar preocupações sobre invasão de privacidade e racismo algorítmico. Potencial da tecnologia quando aplicada com responsabilidade e precisão Os benefícios potenciais do reconhecimento facial para a segurança pública, abordados no podcast mencionado por especialistas como Daniel Edler, – pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP e um dos organizadores do livro “Tecnologia, segurança e direitos: os usos e riscos de sistemas de reconhecimento facial no brasil” –, incluem a eficiência na abordagem policial, utilidade em investigações criminais, agilidade no controle de fronteiras e auxílio na identificação de pessoas desaparecidas. Estes pontos positivos revelam o potencial da tecnologia quando aplicada com responsabilidade e precisão. Reconhecimento facial poderia ajudar a resolver apólice milionária de empresário falecido Para as seguradoras, a integração da tecnologia de reconhecimento facial pode oferecer vantagens importantes, especialmente na prevenção e investigação de fraudes. Uma notícia publicada no canal do Youtube do programa Domingo Espetacular exemplifica concretamente de que forma o reconhecimento facial poderia ser decisivo na liberação (ou não) de uma apólice: de acordo com a matéria, uma seguradora negou o pagamento de uma apólice de R$66 milhões de um empresário falecido há mais de dois anos. A negativa se deu por suspeita de fraude e a seguradora pediu até a exumação do corpo para confirmar as suspeitas da morte. O fato é que o empresário foi encontrado sem vida dentro do próprio carro blindado e não há confirmação da autoria do homicídio nem a certeza do cometimento de um suicídio (situação em que a apólice não estaria coberta).
O caso citado ilustra como o reconhecimento facial poderia contribuir para clarificar circunstâncias de sinistros, verificando a identidade das partes envolvidas, auxiliando na reconstrução dos eventos e na resolução do imbróglio.
Seguradoras devem reconhecer riscos e se engajar na busca por soluções
A tecnologia de reconhecimento facial, embora promissora em eficiência e precisão, carrega armadilhas e desafios, como evidenciado pela sua aplicação na segurança pública. Estes desafios incluem, mas não se limitam a, questões de privacidade, riscos de racismo algorítmico e a possibilidade de erros que podem levar à identificação incorreta de indivíduos. As seguradoras devem reconhecer esses riscos e se engajar na busca por soluções que respeitem integralmente os direitos e a dignidade dos indivíduos. Diante disso, algumas ações devem ser adotadas.
Regulação e transparência na aplicação da tecnologia
A implementação de uma regulação robusta e a prática da transparência são fundamentais. As seguradoras devem não apenas aderir às normativas existentes que regem a privacidade e o uso de dados, mas também liderar pelo exemplo, estabelecendo padrões internos que frequentemente superam as exigências legais. Isso significa ser transparente sobre como os dados de reconhecimento facial são coletados, armazenados, processados e utilizados nas decisões. A comunicação clara com os clientes sobre estas práticas é essencial, assim como a garantia de que existam mecanismos para contestar ou questionar decisões automatizadas, promovendo uma maior confiança no uso ético da tecnologia.
Combate ao racismo algorítmico e a promoção da equidade
O setor deve se comprometer ativamente com o combate ao racismo algorítmico, investindo em tecnologia que minimize os vieses e promova a equidade. Isso envolve o desenvolvimento e a aplicação de algoritmos treinados com conjuntos de dados diversificados, representativos de toda a população, para garantir que o reconhecimento facial seja justo e preciso para todos os grupos populacionais. É preciso que as seguradoras realizem testes contínuos para detectar e corrigir vieses, colaborando com especialistas em ética da IA para aprimorar constantemente a justiça e a precisão dos sistemas utilizados.
Privacidade e consentimento dos dados
Assegurar a privacidade dos dados dos indivíduos é outra ação essencial. As seguradoras devem empregar práticas rigorosas de coleta de dados, processamento e armazenamento, garantindo que a utilização de imagens faciais seja conduzida de maneira ética. Isso inclui obter o consentimento explícito dos indivíduos antes de capturar ou utilizar suas imagens para qualquer fim, especialmente em casos que vão além das expectativas razoáveis de privacidade. A implementação de políticas de privacidade claras e acessíveis, que detalhem como e por que os dados faciais são usados, reforça a transparência e fortalece a relação de confiança com os clientes.
Integração cautelosa
A adoção do reconhecimento facial deve ser realizada de forma cautelosa e deliberada. Iniciar com projetos-piloto permite que as seguradoras avaliem a eficácia tecnológica e também as implicações éticas e sociais de sua aplicação. Esses projetos devem ser acompanhados de avaliações de impacto detalhadas, considerando os efeitos sobre a privacidade e equidade dos indivíduos. A partir dessas avaliações, as seguradoras podem ajustar suas abordagens, garantindo que a tecnologia seja implementada de maneira que os benefícios sejam maiores que os riscos potenciais.
Colaboração com especialistas para enfrentar desafios legais e morais Por fim, a colaboração com especialistas em ética, tecnologia e direito também é essencial. O diálogo contínuo com acadêmicos, reguladores e representantes da sociedade civil pode fornecer insights e ajudar a identificar práticas emergentes em ética da IA. Essa colaboração pode também facilitar o desenvolvimento de soluções inovadoras que equilibrem a inovação tecnológica com os direitos e expectativas dos indivíduos. Oportunidade de estabelecer novos padrões de prática no uso do reconhecimento facial A adoção consciente e ética da tecnologia de reconhecimento facial pelo setor de seguros representa uma oportunidade para aprimorar processos e combater fraudes com mais eficiência, além de refletir um compromisso mais amplo com a inovação responsável e o respeito pelos direitos individuais. Ao refletir sobre os desafios e armadilhas identificados no uso dessa tecnologia na segurança pública, os players de seguros têm a oportunidade de estabelecer novos padrões de prática, priorizando a proteção de dados, a equidade e a inclusão de modelos preditivos variados. Assim, ao implementar uma abordagem que abarque uma variedade maior de componentes que combinam: rigor regulatório, transparência, combate a vieses e respeito pela privacidade, as seguradoras podem evitar erros e mostrar como a tecnologia pode ser utilizada para benefício coletivo sem comprometer valores éticos fundamentais.