A equipe de auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) descreveu uma série de despesas irregulares da Seguradora Líder que foram apuradas nas fiscalizações anuais realizadas pela Susep, entre os anos de 2008 a 2012. Tais despesas, na ordem de R$ 440.644.615,00 (valores históricos e referentes apenas aos quatro anos auditados), não foram glosadas da margem de resultado da Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT, mas sim indevidamente repassadas para o valor do prêmio do seguro.
Destacam-se no relatório as seguintes despesas irregulares:
Repasses aos Detran – R$ 271.998.197,00
Os recursos são repassados a título de custo do compartilhamento dos bancos de dados dos veículos que cada Detran possui, mas existe um convênio da Seguradora Líder com o Denatran que garante esse compartilhamento de dados.
Repasses à Fenacor (mantenedora da Funenseg) e aos Sincors – R$ 164.622.904,00
A Resolução CNSP 192/2003 extinguiu os repasses de recursos do DPVAT para a Funenseg, os Sincor e a Susep, que estavam previstas na Resolução CNSP 35/2000, mas a Seguradora Líder continuou os repasses à Fundação e ao Sindicato por meio de convênios com a Fenacor e os Sincor.
Doações – R$ 2.611.768,00
A Seguradora Líder não pode realizar gastos desvinculados da operação do DPVAT sem autorização do CNSP.
Patrocínio de Eventos – R$ 430.799,00
A Seguradora Líder não pode realizar gastos desvinculados da operação do DPVAT sem autorização do CNSP.
Consultoria para atender a interesse privado dos acionistas – R$ 935.000,00
A Seguradora Líder não pode realizar gastos desvinculados da operação do DPVAT sem autorização do CNSP.
Outros – R$ 45.947,00
Novamente, a Seguradora Líder não pode realizar gastos desvinculados da operação do DPVAT sem autorização do CNSP.
Total de despesas administrativas irregulares somente nos quatro anos analisados: R$ 440.644.615,00
Além dessas constatações, foi necessário recomendar à Susep que incluísse, no âmbito da avaliação da política de conciliação da Seguradora Líder, o exame da pertinência das despesas com honorários advocatícios e demais gastos com a contratação de escritórios de advogados, tendo em vista que tais despesas ainda se encontram em patamar consideravelmente elevado.
Fraudes em diversas esferas
Todas essas investigações vieram à tona no ano de 2015, quando foi deflagrada a Operação Tempo de Despertar. Capitaneada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com apoio em investigações levadas a efeito pela Polícia Federal, desvelou um esquema criminoso que se retroalimenta a partir das ações e atividades desenvolvidas pelas corretoras, intermediárias ou agenciadoras (primeiro grupo), pelos policiais civis e militares (segundo grupo), pelos empregados administrativos de hospitais, médicos e fisioterapeutas (terceiro grupo) e pelos advogados que se associam criminosamente aos agenciadores (quarto grupo). Esses advogados, em conluio com “empresários” de agenciamento, atuando na ponta do esquema criminoso, sempre sob a complacência da alta direção da Seguradora Líder, se encarregam de cooptar pessoas feridas, vítimas ou não das relações de trânsito para, em nome delas, pleitearem fraudulentamente o pagamento de indenizações do Seguro DPVAT.
Apurou-se ainda que, na maior parte das vezes, esses agenciadores eram responsáveis por “comprar” boletins de ocorrência da polícia com conteúdo ideologicamente falso, bem como por adulterar laudos médicos que se prestavam a instruir pedidos administrativos ou judiciais de pagamento de indenizações indevidas. Ocorre que as simulações de acidentes e indenizações feitas pelos grupos que atuam na ponta, para além da elevação dos custos do sistema, acabaram por maquiar as estatísticas oficiais que serviram para orientar as políticas públicas neste setor e também justificar o incremento do preço do Seguro DPVAT pago pelos proprietários de veículos em todo o Brasil. Verificou-se ainda que, quanto maiores as fraudes impostas contra o Seguro DPVAT, maior a demanda por serviços de perícia e advocacia – serviços enquadrados como “despesas administrativas” do Consórcio – gerando por consequência, nova fonte de enriquecimento ilícito dos líderes do esquema. Além disso, o aumento dos custos das indenizações, como já visto, eleva o custo dos bilhetes, aumentando ainda o montante dos recursos do DPVAT administrados pelo Consórcio e, em última análise, as comissões dos bancos que os gerenciam.