O presidente da CNSeg (Confederação Nacional das Seguradoras), Dyogo Oliveira, 49 anos, é uma das vozes otimistas com os rumos da economia no Brasil. Ex-ministro do Planejamento e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) no governo de Michel Temer (2016-2019), o economista projeta crescimento de 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) e inflação de 3,9% em 2025.
O impacto, diz, será positivo para o setor se seguros. Depois de avançar 11,6% em 2024 –em termos nominais–, diz que em 2025 a alta será de 11%.
“Na CNSeg temos cenários otimistas. Para 2025, vejo um mercado de commodities e de trabalho fortes com desemprego caindo e uma massa salarial crescendo a 7%. Há fatores que me levam a crer que teremos de novo uma surpresa positiva no final do ano”, disse em entrevista ao Poder360.
Dyogo entende que há uma grande demanda reprimida por seguros no país. Um dos exemplos citados foi o seguro doméstico. Nas enchentes do Rio Grande do Sul, ele estima prejuízos de R$ 100 bilhões. Mas só 6% dos lares tinham seguros.
“No horizonte mais amplo, esses eventos cresceram em frequência e impacto. O Brasil sempre teve enchentes, seca, vendaval. Mas era raro e impactava menos. Não esperamos que aconteça de novo, mas nada garante”, disse.
Leia trechos da entrevista:
Poder360 – O setor de seguros teve crescimento real de 7,6% em 2024. Foi 11,6% nominal. Quais setores lideraram a alta?
Dyogo Oliveira – O crescimento do setor tem sido vigoroso nos últimos anos e bem distribuído entre os produtos. Previdência foi um dos que mais cresceram: 16%. Produtos de garantia subiram 20%. E seguros de danos, de vida, entre outros, também cresceram bem. E continuamos com perspectivas positivas. Em 2025, estimamos alta de 11% em termos nominais, perto de 7% real. Projetamos a inflação em 3,9%.
O crescimento da Previdência tem alguma ligação com a reforma?
Pouca. O resultado refletiu o aumento da massa salarial, o nível de emprego e a redução no endividamento das famílias. Tem um pouco do programa Desenrola. Aí consegue aumentar a poupança. Isso se reflete rápido nesse produto de Previdência. É um setor que acumula R$ 1,2 trilhão em reservas de participantes. Mas o cenário de Previdência pública limitada e diversas mudanças nas regras, que ainda não terminaram, incentivam as pessoas a pensar na Previdência privada. Todo mundo tem consciência que não dá para confiar só no INSS.
Qual o percentual dos trabalhadores brasileiros que têm Previdência privada?
Essa é uma das preocupações e grande desafio do setor. O percentual é baixo. Aproximadamente 15% da população economicamente ativa.
Tem como comparar com outros países?
Aí confunde um pouco. Alguns países não têm sistema de Previdência pública. Nos Estados Unidos, o padrão é a previdência privada, mesmo entre servidores públicos. No Canadá, também. A Europa tem um sistema de Previdência pública mais robusto. Varia muito entre os países. Mas certamente o nosso número é muito abaixo do que o Brasil deveria ter.
E quanto que o Brasil deveria ter nas contas da CNseg?
Difícil fazer uma conjectura. O ideal seria que todos os trabalhadores tivessem Previdência complementar. Pelo motivo que falei: a pública não é sustentável. Fui ministro do Planejamento, conheço bem essa realidade. O regime de capitalização precisa ser adotado. A melhor maneira é usando o sistema da Previdência privada. Aí você combina uma aposentadoria básica limitada em termos de regras, acesso, cálculo, etc, mas universal. Por outro lado, os trabalhadores terão uma complementação de renda na aposentadoria.
As projeções econômicas para 2025 estão piores que em 2024. Pode impactar o setor?
Na CNSeg temos cenários mais otimistas. Para 2025 eu vejo um mercado de commodities e de trabalho fortes com desemprego caindo e uma massa salarial crescendo a 7%. Há fatores que me levam a crer que teremos de novo uma surpresa positiva no final do ano. Esse cenário beneficia o setor de seguros. Calculamos inflação abaixo de 4% e crescimento perto de 2,5%.
Como tragédias como a do Rio Grande do Sul influenciaram o setor de seguros? E como o setor responde a esse tipo de evento?
Vou falar sob duas perspectivas. No curto prazo, esses eventos dos últimos anos estão dentro das estatísticas e provisões técnicas do setor. Não afetaram a realidade dos seguros. Pagamos R$ 6 bilhões em indenizações no Rio Grande do Sul no ano passado. E não afetou a saúde financeira das empresas. O que preocupa é que as pessoas têm pouco seguro. Estimamos uma perda econômica de mais de R$ 100 bilhões pelas enchentes. Só 6% tinham seguros. É muito pouco. Nos Estados Unidos, é quase 40%. Precisamos expandir. No horizonte mais amplo, esses eventos cresceram em frequência e impacto. O Brasil sempre teve enchentes, seca, vendaval. Mas era raro e impactava menos. Não esperamos que aconteça de novo, mas nada garante. Como está havendo uma mudança rápida, as estatísticas do passado não são mais adequadas para avaliar o futuro. Temos modelos bons para curto e longo prazo, mas temos dificuldade de prever os próximos 1 ou 2 anos. Outra questão é a infraestrutura do país, que não tem seguro. Rodovias, estradas, ferrovias, portos, aeroportos têm pouca proteção para incidentes climáticos.
Mas há seguro nesses ambientes para outros incidentes?
Sim, mas eventos climáticos, não. As infraestruturas concedidas têm algum nível de seguro. Estamos nos aproximando do governo para gerar novos produtos, trazer soluções. É um risco que não existia há 20, 30 anos. O maior obstáculo é a demanda. As pessoas não têm o hábito de contratar seguros. Só 15% das residências têm seguro. Mesmo automóvel, o produto de maior participação, só 30% da frota tem. Se alguém bater no seu carro, tem 70% de chance dele não ter seguro. Eventos como do Rio Grande do Sul servem como alerta. Quem tinha seguro, já foi indenizado, reconstruiu a casa, comprou móveis. Quem não tinha, está passando por dificuldades. O setor de seguros entende e sabe como gerenciar risco de modo a diminuir os danos. Por isso temos insistido na pauta do seguro para infraestrutura e prédios públicos.
E como funciona no caso de obras paradas? O TCU estima em 10.000 de origem federal e 21.000 no total.
Na legislação brasileira, há a possibilidade de contratar seguro de término de obra, onde a seguradora pode assumir a conclusão. Mas está limitado a obras de grande porte. A lei ainda não foi regulamentada. Só é usada em alguns Estados. Vai trazer uma grande mudança. Quando eu estava no governo, estudamos muito as obras paralisadas. O governo às vezes faz licitação com base em um projeto básico sem o detalhamento. Não usa critérios sólidos. Ganha quem dá o menor preço, não necessariamente uma empresa qualificada para a obra. Depois não tem condições e fica mais caro que o previsto. A utilização dos seguros relacionados à construção vai permitir obras melhores, de boa qualidade e que vão efetivamente ser concluídas.
Com seguros a tendência é que o número de obras paradas caia?
Ao longo do tempo, sim. É a experiência internacional. O Brasil, às vezes, demora para adotar soluções que já são pacíficas no resto do mundo. Em qualquer país desenvolvido, da OCDE, a contratação do seguro de obra é indiscutível. Evidente que isso precisa evoluir aos poucos. Começando com obras de maior porte, a gente vai seguindo um bom caminho. O dinheiro mais desperdiçado é o da obra que não acabou.
O agro também tem pouco seguro. Algo como 6% do total. Ainda assim, é dos setores mais dinâmicos da economia brasileira.
Em 2024 estimamos que só 6% da área plantada tinha cobertura. É preocupante pelo tamanho do agronegócio e pelo aumento dos incidentes climáticos, com mais períodos de seca, excesso de chuva, enchente, geada. Tudo afeta a produção. Se perde uma safra, não consegue pagar empréstimos, financiamentos e precisa renegociar. Vai acumulando dívidas e o pequeno e médio produtor rural ficam em condição frágil. O seguro rural é 90% direcionado aos pequenos e médios. Estamos discutindo com o governo a ampliação dos recursos e a criação de um fundo de estabilização. Um ano está tudo certo e, no seguinte, dá problema. É volátil. A comparação internacional chama a atenção. Nos Estados Unidos, praticamente 100% da produção tem seguro. Em alguns lugares da Europa é obrigatório. O financiamento é fundamental, mas se não tiver o seguro rural, a cada safra que tiver problema, vai inviabilizando.
A CNSeg é entusiasta da COP30. A ausência dos Estados Unidos pode enfraquecer o resultado prático do evento?
Estamos empenhados em participar da COP porque o setor de seguros tem papel frente às mudanças climáticas e precisa ser considerado nessas discussões. É um setor que assume e gere riscos. Tem muito a contribuir. O cenário global é desafiador. A postura dos Estados Unidos sempre foi claudicante. As motivações são concretas. É uma economia muito dependente do petróleo e grande emissora de gases de efeito estufa. E perdeu muita competitividade ao longo do tempo. O principal parceiro comercial da maioria dos países não é mais os Estados Unidos, mas a China, inclusive o Brasil. Eles têm dificuldade em adotar medidas restritivas. O problema é que isso coloca uma interrogação sobre a evolução dessa agenda. A meu ver, o que vai definir o sucesso ou não da COP é a postura dos chineses. A China pode liderar essa agenda globalmente. Essa é a grande interrogação sobre a COP.
Para a CNseg, os seguros deveriam ser mencionados como parte da estratégia de combate às mudanças climáticas
Estamos buscando exatamente isso, que a declaração final da COP faça referência a esse papel do setor de seguros. Que seja reconhecido como parte da solução para as mudanças climáticas.
O setor busca a criação de um seguro social para catástrofes. Como funcionaria?
Você tem um evento como esse no Rio Grande do Sul em maio. As pessoas receberam o cheque do governo em novembro, dezembro. Veio tarde. E não há nenhuma crítica aos governantes. São os caminhos do setor público. Tem que ter projeto, aprovar lei, cadastro, empenho, toda a burocracia. Não é possível fazer de afogadilho. A ideia do seguro social de catástrofe é ter um instrumento que já vai estar preparado, com pessoas identificadas. Quando tiver um incidente, já se sabe previamente quais são as famílias no local e elas vão receber uma indenização imediata no dia seguinte por Pix. A nossa proposta são R$10.000 por residência.